você tem fome de que?

tia, esse seu sapato tá precisando de uma graxa. Ahaa? é tia, senta ai pra eu engraxar. até que tá feio mesmo, não tinha percebido. então senta ai logo. topei. bem no meio do entra e sai de um Starbucks na Paulista. nunca ninguém tinha engraxado meus sapatos antes. pra tudo tem uma primeira vez, né não? e abre um sorriso. então o Daniel me contou a história do aluguel atrasado e me dá um trocado fazfavor. sei de cor e salteado. já ouvi de uns tantos outros Danieis a mesma conversa nesses tantos anos morando no centro de SP.

o primo no outro canto: não quer engraxar, moço? hj não, tô sem trocado. eu troco por uma marmitex. não, ‘brigada. pode ser um frappuccino daqui mesmo. ah, então vc não tá com fome, quer frappuccino.

é moço do mocha, menino de rua não deixa de ser menino. e menino tem fome de marmitex sim. mas também de frappuccino, de chocolate, de sorvete. eu tinha fome de chiclete. “babalooo”. 2. mascando com a boca grande. de yakult. 2. tudo despejado num copo só. danoninho. duplinha também. quindim. queria 2. minha mãe só me dava 1. comia de colherzinha, pra acabar bem devagar.

guloseima dava seu ar da graça em casa 1 vez no mês e olhe lá. hoje a minha fome por essas coisas passou. vai ver é porque agora posso comprá-las. vai entender fome de adulto. a fome muda. talvez por isso tenha me deixado levar (de novo) pelo conto do aluguel que tá sempre atrasado.

ademais, eu também não fui totalmente sincera. esqueci de dizer para o Daniel que meu sapato não era de couro de verdade – só o universo sabe o que vai ser do material plástico quando a graxa secar de todo. não sei porque não falei. pode ser que inconscientemente eu estivesse com aquela fome de coisas em dupla de antigamente. mesma fome, outro paladar. a noite passada foi fome de conversa.

P.s.: comprei frappuccino de morango. 2. um pro Daniel, outro pro primo. eu sai alimentada só pelo papo mesmo. e pelo beijo no rosto que o Daniel me deu.

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Ghostbuster não revitalizado

Dedetizar o apartamento é a coisa mais besta. Foram apenas algumas gotinhas de gel superfaturadas.

Esperava um cara metido no uniforme dos Ghostbusters. Abro a porta e me aparece um magricela tatuado (as tatuagens eram bem legais), com uns 10 piercings (também curti), camiseta, calça jeans e duas bisnagas de plástico na mão.

(Nota desimportante: uma bisnaga de gel para barata e outra bisnaga de gel para formiga, porque baratas e formigas são pragas completamente distintas e, portanto, são exterminadas de formas diferentes, embora as duas bisnagas sejam da mesmíssima cor, é bom atentar).

Dou uma dupla olhada no corredor por cima do ombro do sujeito, nada.

Cadê a parafernália? A geringonça toda para a pulverização dos ralos, moço? Eu quero ver fumaceira.

Tem não.

Pronto, gourmetizaram a dedetização.

A coisa foi tão rápida que mal tive tempo de elogiar os alargadores que ele tinha na orelha. Coisa fina. Prata. Estiloso.

Se fosse minha casa não pagava não. Só por algumas gotinhas de gel no rodapé. Pagava não.

Oi? Moço, agora vou ter que lutar com você pelo cheque. Ou devolve ou sequestro as bisnagas (risos).

Acabei.

Tão rápido?

Agora realmente considero um embate corporal pelo cheque.

Quase esqueci de passar o gel da barata no banheiro. Da formiga eu passei. Passei? Nossa, muito caro mesmo para algumas gotinhas de gel. Contratam por pânico. É o comércio do pânico.

Pausa para assimilação.

Você tá refém da bisnaga entende? Porque você só compra a bisnaga, essa bisnaga aqui, da boa, só com CNPJ. Essa crença que algumas pessoas têm de que as baratas das áreas comuns do prédio entram nos apartamentos é lenda. São baratas completamente diferentes.

Pausa para assombro.

Ele sorri o sorriso confiante de quem pontua o óbvio.

Eu achei por bem deixar pra lá o fato de que topei pagar 200 reais por 2 metades de bisnaga (meu apto é pequeno), tudo por pura crença e sorrio de volta para deixar bem claro que essas pessoas equivocadas não são as pessoas que moram neste apartamento. Não senhor. Somos pessoas sem pânico. Somos pessoas completamente diferentes.

Agora é deixar “vir” as baratas e as formigas que estiverem dentro.

Como assim, vir? É para não “vir” que tô pagando 200 pratas.

Só formigas e baratas que estiverem dentro. As de dentro. As de dentro você deixa elas fazerem a festa delas. Comerem o gel. Dai tá tudo exterminado. Ou não. Mas você tem seis meses de garantia. Tranquilo.

Ai! Meti a mão no gel. Tem problema?

Moça, é só não comer (nem lamber) as gotinhas que tá tudo certo. Ou não (ri).

Ok, então. Mais uma trouxa nasce no mundo, penso. Mas não esquece de me mandar por e-mail o meu certificado de garantia de seis meses. Vai que.

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Matutagens em uma manhã de outono

0447 - CAPAS PARA FACEBOOK

Sou uma pessoa impulsiva. Como explicar? Acho que é assim: surge uma ideia, até mesmo um lampejo de suposição e vem junto um rebate automático, ajo quase que imediatamente, o que produz certo orgulho quando a intuição vem livre de falhas e também me coloca em enrascadas quando erro a mão (mais ou menos 50% das vezes), o que não deixa de ser uma grande incoerência para uma pessoa que gosta tanto de pensar como eu.

Eu penso muito. O tempo todo sobre tudo e acho mesmo que fiquei viciada nessa coisa de pensar. Sempre fui assim e acho que sempre serei.

Há alguns meses decidi ver um terapeuta uma vez por semana acreditando que isso apaziguaria um pouco o ritmo frenético do meu pensar, mas continuo pensando bastante na verdade. A diferença é que além de pensar com meus próprios botões, agora tenho 50 minutos toda segunda-feira para pensar em voz alta.

Quando criança fui uma pensadora muito convicta, não por ser possuidora de grande inteligência, muito pelo contrário,  é que não tinha irmãos, primos  e nem sequer vizinhos próximos na mesma faixa etária. Era um bacalhauzinho da Noruega, como dizia meu pai, uma menina magricela e silenciosa cercada de adultos por todos os lados. Sempre brinquei sozinha e sempre tive tempo de sobra para ficar muito ocupada com os meus pensamentos.

Foi o treino intensivo dentro do mundo da introspecção que me ajudou a ficar muito boa em certas coisas. Em sentir a vibração de um ambiente, por exemplo. Sou muito boa nisso, assim como em apreender a atmosfera interna de uma pessoa. Por outro lado, provavelmente perdi um pouco a conexão com coisas igualmente importantes e ainda hoje, por vezes, me sinto atrasada em relação a tantas outras. O que posso fazer?

Veja só. Até mais ou menos os meus quinze anos eu estava em total atraso quanto ao misancene entre meninas e meninos. Gostava de ficar perto de meninos, mas não por motivos hormonais típicos da idade, mas porque sempre admirei a praticidade masculina em relação à vida.

Já era uma mocinha quando o meu interesse pelos meninos ficou, digamos… bem menos genérico e devo confessar que sofri muito até entender o processo todo, o que poderia ter sido amplamente evitado se algum adulto atento se tivesse encarregado de me explicar que nessa coisa de amor o muito pensar – e pouco agir; nem sempre dá certo (e na maioria das vezes não dá mesmo).

Finanças e coisas muito matemáticas também são uma questão, um capítulo à parte que fica para um outro post.

Por coincidência – muito embora Freud não acreditasse em coincidências; hoje tenho terapia. Vou para os meus 50 minutos de pensamentos em voz alta. Engraçado como sempre abro a sessão pensando: “o que tô fazendo aqui, não tenho nada a dizer”, para cinco minutos depois ouvir incrédula a minha própria voz disparando bem-ditos e mal-ditos feito uma metralhadora. Ainda mais incrível é como meu terapeuta consegue ouvir; diga-se de passagem: sem um ínfimo traço sequer de espanto ou indignação, os meus 50 minutos de palavras ininterruptas e resumi-las em uma única frase bombástica que atinge certeiro o ponto x da minha questão. Olho para ele com total admiração – e até certa inveja; o mesmo olhar que incontáveis vezes direciono a minha cara metade que em inúmeras ocasiões resolveu o meu “problemão” de um dia inteiro de matutagem em um email de duas linhas onde posso encontrar ação, risco e prováveis resultados.

Ah, como não amar o surreal poder de síntese masculina!

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Havia um castelo no meio do caminho, no meio do caminho havia um castelo

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No presente tenho muito pouco a me queixar. No agora tenho muito menos problema e muito mais solução. O difícil mesmo é esta conexão com o presente. Estar.

Quando se está de verdade os instantes vão virando minutos, minutos viram horas, horas viram dias que viram semanas e momentos acabam sendo muito mais do que passado que só passou.

Ontem repeti o caminho até o Mini Extra – caminho já feito sei lá quantas vezes nestes meus cinco anos de Bela Vista; e dei de cara com um emblema em que se lê “Villa Luisa”.

Fiquei surpresa com meu comportamento, com a minha cegueira transeunte. Como nunca ter reparado antes? Um castelinho lindo em plena Brigadeiro Luis Antônio e no meio de tanto prédio sem pé nem cabeça. E olha que ele é cor de amarelo ouro!

A arquitetura do casarão me causou grande impressão, mas não tão grande quanto o nome gravado no emblema: “Villa Luisa”… Luisa… Quem terá sido essa Luisa com nome batizado e cravado em porta de castelinho?

Tão absorvida estava – mas também pode ter sido o calor de 38 graus que fazia na hora, ainda estou na dúvida, realmente difícil dizer quando se sua em bicas; tanto que quase tropeço sem querer num menino. Munido de uma pedra, rabiscava um cantinho do muro.

Demorei para entender se era verdade ou miragem causada pelo mormaço. Não, não. Está ali sim, agachadinho, compenetrado no presente (como consegue… nesse calor… e sem uma gota de suor…).

“Menino… não rabisca ai não”. O olhar de poucos amigos foi e voltou: primeiro do muro para mim, depois de mim para o muro, a rabisqueira a todo vapor.

Menino, olha, deixa eu te explicar… tá vendo aquela placa ali, ó? Tá escrito “Prédio tombado”, tom-ba-do.

“Quer dizer que tá tudo caído mesmo, tia. Que é que tem. Prédio velho.”

Tia.

Tia?!?

Melhor passarmos direto para a parte em que recuso mentalmente o logo de tia genérica – e também a minha camiseta branca ficando toda empapada (não existe glamour acima de 30 graus!) e uso toda a minha curta saliva cultural em pró da preservação da art-nouveau…

Não é tombado de caído não. Quer dizer que tem uma história este castelinho. Que todo mundo precisa cuidar dele para que mais e mais pessoas possam vir aqui e ver que não só de prédio feio e mal planejado vive o nosso bairro. E não é velho que fala: é antigo. Levanta… vem aqui ver que lindo.

Nada.

O negócio é tentar gerar identificação.

Sério, vem ver. Parece castelo de conto de fadas.

Nada.

Pode ser também castelo de bruxa. Putz, e se o menino assustar e não dormir de noite?

Assim… pode ser de bruxa, mas não de bruxa má, má… de bruxa boa eu quis dizer.

Olhar 43 direto para mim e nenhum, nem um cantinho de olho, na direção do prédio. Larga o giz improvisado na calçada e sai correndo.

Mais sobre o castelinho no meio do meu caminho…

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LOCALIZAÇÃO: Avenida Brigadeiro Luís Antônio, 826

PROCESSO: 00250/73
TOMBAMENTO: Res. 12 de 19/7/84
PUBLICADO NO DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO: Poder Executivo, Seção I, 08.07.1982, pg 16
Poder Executivo, Seção I, 19.07.1984, pg 21
LIVRO DO TOMBO HISTÓRICO: Inscrição nº 227, p. 63, 20/1/1987
“Este prédio, popularmente conhecido como Castelinho, constitui-se em um raro exemplo, em São Paulo, de arquitetura residencial inspirada no estilo art nouveau. Projetado pelo italiano Giuseppe Sachetti para o médico e escritor Cláudio de Souza, um dos proprietários da Vila Economizadora, o Castelinho foi construído em alvenaria de tijolos, entre os anos de 1907 e 1911. Encontra-se implantado no centro do lote, envolto por área originalmente ajardinada. A fachada deste edifício é composta por vários volumes cilíndricos que se interpenetram, constituindo-se um deles em uma pequena torre com cobertura cônica. O gradil de ferro do muro apresenta o desenho no mesmo estilo da construção e um dos seus acessos destaca-se pelo pórtico de alvenaria com pequena cobertura.”
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Salve Silvestre!

imagesPHSIGZ4QA elite passa séria… impressionante o vigor, a força da pisada, a rapidez na passada.

A multidão anônima brinca bastante: patetas, mágicos, Tiriricas… veio até o Wolverine… e lá se vai também o Homem Aranha, magriiiinho. O Gandalf vem mais lá atrás. Corintianos e Palmeirenses uniformizados dividindo uma garrafinha de água. Um grupo da Bolívia.Um rapaz que só tem uma perna, abraçado em suas muletas, passa depressa. Uma mulher em cadeira de rodas, família correndo ao lado, aquele empurrãozinho solidário de vez em quando.

O povo na calçada incentiva, bate palmas, assovia, canta, mãos são estendidas para os corredores tocarem. Entusiasmo, admiração, vontade… quem sabe o ano que vem?

Quando a temida subida da Brigadeiro chega, os corredores cantam em coro: “É Brigadeiro, é Brigadeiro” e conforme pela avenida íngreme passam, não são poucos os que se benzem e agradecem por terem chegado até ali. Ufa!

Vi tudo isso da esquina da minha casa… todo 31 de dezembro é assim e todo ano, se estou em São Paulo, eu acordo e também corro: para a rua, para ver tudo de novo. Nunca me canso… Salve Silvestre!

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O simplificar – aplicado em doses homeopáticas

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Em 2013 comecei a simplificar a vida, onde abrir mão de um emprego formal para investir numa carreira solo foi o passo mais largo, digamos. Em 2014 sigo nesta mesma toada. Deus me ajude.

Simplificar… Mais fácil dizer do que fazer. A quantidade de tralhas que carrego – externa e internamente; é tanta que a minha pilha aqui já tá parecendo o Kilimanjaro – difícil de escalar!

O bom do ato de simplificar é que você não tem de fazê-lo de uma tacada só. Dá para encarar uma coisa de cada vez. Muito mais sábio começar mesmo é com pequenos passos. Porém, na minha vibe de ariana com ascendente desconhecido sempre é tudo ao mesmo tempo agora e para ontem… Isto posto, para não morrer na praia, ou melhor, na escalada, eu estou tentando não pensar muito no percorrer do caminho, concentrando os esforços mais na diversão da viagem.

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Simplificando, simplificando…

Sem fazer desta opção uma outra prisão e sem abrir mão de bens materiais… Não me entendam mal, eu gosto de coisas… Só não quero que elas ocupem um espaço maior do que devem.

A simplicidade de que falo está mais ligada à clareza, ao real entendimento da finalidade de ter isso ou aquilo na minha vida… Embora focada mais em relação a coisas materiais no momento, diria que não menos importante é a bagagem de maluquices que pairam na minha psique de ser humano por vezes surtado… assunto que renderá um outro post, mas, vamos homeopaticamente.

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Trocando em miúdos: quero andar por ai mais leve.

Por isso, hoje vou parando por aqui, que a leveza supracitada também será percebida na economia de caracteres. Blog com texto mais curto também é cultura!

Um ótimo 2014, com o meu desejo (não tão simples) de que sejamos cada vez mais felizes possuindo cada vez menos.

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Look de Natal

Sugiro nos vestirmos de solidariedade! Muito mais importante que a roupa que a gente veste é a vida que pulsa dentro dela.

Para Demétrio…

O apadrinhamento entrou na minha vida há aproximadamente 2 anos e o que parecia ser apenas uma simples ação de ajuda ao próximo tornou-se um despertar, um olhar muito mais aberto, abrangente e de mais amor com o outro.

Apadrinhar transforma a vida do apadrinhado, mas faz muito mais ainda para o coração de quem apadrinha.

“em mim

eu vejo

o outro

e outro

e outro

enfim dezenas

trens passando

vagões cheios de gente

centenas

o outro

que há em mim

é você

você

e você

assim como

eu estou em você

eu estou nele

em nós

e só quando

estamos em nós

estamos em paz

mesmo que estejamos a sós”.

(Contranarciso – Paulo Leminski)

Bjs e um Feliz Natal!

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20 segundos de coragem

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Às vezes na vida tudo o que se precisa são alguns segundos de coragem, para tomar uma atitude, para falar ou fazer algo que gostaria muito, para romper com uma situação que te entristece, para ser mais feliz.

A ideia é que você não precisa ser destemido o tempo todo, bastam aqueles 20 segundos de coragem na hora H. O conceito não é meu. É algo que vi num filme, mas que tenho repetido muito nos últimos dias.

Um tipo de desejo insano, uma bravura destemida onde já não cabe mais o medo do fracasso, da situação econômica, da opinião alheia… Você sente aquela força interna que diz que a hora é agora e que tudo vai dar certo. E você faz o que tem que fazer.

8598151024_48d09310a3ilustração de Fernanda Fonseca
maiscanela.wordpress.com

E você não faz ideia do quanto superei para chegar aos meus 20 segundos de coragem, tenho crença errônea enraizada pra chuchu.

Grande parte dos meus amigos fala de sonhos de mudança de vida, de atitude. Sonhos simples e grandiosos. Alguns ainda no plano da pura divagação, outros com ideias bem concretas de onde e como.

São histórias maravilhosas que nem começaram, mas que já estão contaminadas pelo medo.

Fico pensando o que seria se não existisse o medo. Não o nosso medo saudável, aquele da autopreservação que serve de alerta, mas aquele que aprendemos com nossos avós, pais, irmãos, professores, amigos, sociedade, com nosso preconceito contra nós mesmos…

Dizem que só devemos olhar para frente, mas eu resolvi resgatar todo dia um pouco daquela menina sem medo que fui na infância. Aquela anterior à vivência do medo como fato concreto, no tempo em que para ela medo – e dor; não tinham nenhum valor prático.

8858685272_e9e610e93eilustração de Fernanda Fonseca
maiscanela.wordpress.com

Um dia alguém me falou que para eu descobrir o que realmente gostava de fazer deveria lembrar-me do que eu mais gostava quando era criança. Naquele momento, eu estava sempre buscando por um plano B, por um novo caminho profissional e já tinha feito curso de tudo: de encadernação a cultivo de cogumelo.

Já começava a me conformar com a ideia de permanecer alguém eternamente insatisfeito, que gostava de muitas coisas, mas que não se focava em nada, com a sensação de impotência diante do buraco cada vez maior que ia se abrindo na minha confiança. Então, a coisa da criança ficou martelando na minha cabeça.

Embarquei, e deu certo.

9032608496_6d78edc9c3ilustração de Fernanda Fonseca
maiscanela.wordpress.com

Comecei a lembrar do meu eu de 5, 6, 7, 8 anos. Fui fazendo uma leitura de mim mesma do começo até agora. Dei conta da linha invisível que vai costurando fatos aparentemente desconexos.

Eu costumava dizer que tinha feito a faculdade errada, por exemplo. Que se pudesse voltar atrás jamais cursaria Administração, que faria algo mais “artístico”.

Acontece que eu não sou uma pessoa artística, eu sou uma pessoa que gosta de Artes que gostaria de ser artística.

Hoje agradeço pela escolha instintiva que eu fiz. A faculdade foi a certa, não para a pessoa que eu gostaria de ser, mas para a pessoa que eu realmente sou.

Eu torcia o nariz quando o professor Zenarte dizia que o sonho dele era nos ver todos empreendedores no futuro. Desculpa prof. Zenarte! Eu cheguei a dormir nas suas aulas (vergonha!), mas reverencio hoje o fato de que você tinha razão em tudo o que dizia. Eu torcia o nariz porque queria, mas tinha medo de não conseguir.

9065506109_450660508ailustração de Fernanda Fonseca
maiscanela.wordpress.com

Instintivamente, busquei – ou fui levada; para coisas e pessoas que me ajudaram a voltar para o meu lugar. Dei uma volta imensa para conseguir enxergar quem eu sou de verdade com tudo de bom e de ruim que isso significa, mas que me ajuda a traçar a pessoa melhorada que eu quero ser. Viver é complexo e requer treino – um treino que não para nunca.

Os meus 20 segundos de coragem chegaram no ponto de junção entre a menina destemida e a mulher em progresso que ainda morre de medo do novo, mas que tem ainda mais medo de parar no antigo que não traz mais felicidade.

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“Às vezes tudo que precisamos é de 20 segundos de uma coragem insana. Literalmente 20 segundos de bravura destemida. E eu lhe prometo, algo maravilhoso virá disso”.

(We bought a zoo  – nós compramos um zoológico)

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As correntes que prendem o elefante

Há alguns dias atrás peguei a minha jovem afilhada assistindo Dumbo. Gostava tanto desse desenho quando era criança, mas passei anos sem pensar nele.

A primeira vez que ouvi a estória do Dumbo… isso mesmo, ouvi. Ganhei um disquinho da minha irmã. Um disquinho azul que ouvia na minha vitrolinha laranja. Ficava ouvindo enquanto brincava no quintal da frente da casa, vitrolinha do lado de dentro, tampa na janela da sala apontando para o lado de fora. Era daquelas vitrolinhas onde a tampa era também a caixa de som.

Naquela época era tão comum disquinhos de estórias infantis! Eu tinha vários. Então, quando ouvi aquela vozinha esganiçada do rato Timóteo, não tive dúvida: era o Dumbo.

Abriu-se a gaveta do meu cérebro reservada para as “memórias dos dia de Dumbo” e vieram várias lembranças das audições no quintal, os vasos de Antúrios no chão, as samambaias penduradas no teto, o cimento gelado nos meus pés descalços, o sol forte do verão, a comoção que eu sentia pela solidão do Dumbo, a torcida para ele conseguir voar, do meu medo inexistente, da minha alegria simples…

Pensei que bom seria ver a vida novamente pela perspectiva do Dumbo… mas acontece que a gente cresce e se pega olhando tudo mais como elefante acorrentado de circo mesmo.

Pensa no filme “Água para elefantes”. Aquele elefante enorme acorrentado pela pata, a corrente presa numa estaquinha de nada… claro que ele não é o Dumbo, mas poderia ter se soltado antes se quisesse, mas não. Numa das cenas mais comoventes do filme (infelizmente, a única eu diria) ele apanha muito… porque ele aguentou aquilo? Com facilidade poderia ter arrancado a estaca do solo e escapado… mas não escapou.

Li em algum lugar um texto falando dessa coisa do elefante acorrentado… todo elefante de circo é condicionado desde pequeno a ficar preso pela corrente na estaca. Tenta muito escapar, mas sem sucesso, porque quando filhote a estaca é mesmo muito pesada para ser retirada. Depois de muitas tentativas inúteis, passa a acreditar que nunca vai conseguir e deixa de tentar… acredita tanto no fracasso que nem percebe que cresceu e passou a ser mais forte que a estaca…

“Quando eu começava a fazer alguma coisa que não te agradava e tu me ameaçavas com o fracasso, então o respeito pela tua opinião era tão grande que com ele o fracasso era inevitável.” (Franz Kafka)

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Liberdade abre as asas sobre nós

Liberdade de escolha, liberdade de opinião, liberdade de contestação… Muito se falou nos últimos dias sobre liberdade…

No Budismo, a liberdade passa pela consciência do ser. Ser um Buda é estar consciente de si mesmo ou, parafraseando Carl Jung, do seu “self”. Nesse sentido, é saber quem e o que você é e vivenciar esse ser verdadeiro, de forma equilibrada e centrada.

Parece fácil, mas será que é mesmo? Se pensarmos nas amarras internas, aquelas que todos nós temos, acredito que não: entre o querer ser o que verdadeiramente se é e viver efetivamente esse eu verdadeiro no dia a dia… dá-lhe soltação de amarra.

Por exemplo, eu gostaria de ser o tipo da pessoa que tem sempre uma resposta pronta na ponta da língua… Mas não sou. De verdade, diante de uma ofensa, ainda mais vinda de alguém que considero mais próximo, raramente consigo responder de pronto. Fico tomada de tal perplexidade que sempre tento acreditar que “não foi bem aquilo que a pessoa quis dizer”, travo nas amarras e nada de resposta.

Sofro da frustração da não resposta, porque o problema é que o dito, ou neste exemplo, o mal dito, grande parte das vezes, é por “querer dizer” e o meu eu verdadeiro sabe disso.

O meu eu verdadeiro sabe que gosto de me expressar (também) através das roupas. Encaro o ato de me vestir todas as manhãs como uma diversão e, mais do que isso, uma oportunidade de ir contra os uniformes das tendências e dar forma a minha individualidade. Eu crio, todos os dias, a minha própria “fashion parade”.

Você já percebeu como o nosso humor do dia influencia na escolha da roupa? Já se deu conta de como usar uma roupa que você gosta num dia difícil pode deixar tudo mais suportável? Já percebeu como o mundo ao seu redor influencia o seu estilo e como você pode estar influenciando outras pessoas com o seu?  Já pensou o quão sem graça e sem cor o mundo seria se todos se vestissem iguais? Você já pensou nisso desta maneira?

É mais ou menos como buquê de flores. Precisar, precisar, não precisa; mas é lindo, enche os olhos e o coração.

Desculpe quem chama de futilidade, mas como bem disse Cris Guerra (do blog Hoje vou assim):  “…a moda pode ser futilidade quando dela somos escravos, mas pode ser arte quando a usamos como forma de expressão”.

Você pode não pensar nisso, você pode nem gostar de moda, você pode ter um olhar totalmente utilitário para as suas roupas e isso também é ok. Eu também penso e faço outras coisas. Sinto-me livre para pensar em estilo, para pensar em moda, para pensar social, para levar meu pensamento (e minhas ações) onde eu quiser e uma coisa não anula a outra. O mundo é amplo. Pelo menos o mundo da forma que eu o vejo, é.

E você, o quanto tem se sentido livre ultimamente?

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